1. Quem  é a Marta Baeta?

 R: Continuo a achar que sou apenas uma miúda cheia de sonhos que quer viver num Mundo melhor e que está a fazer por isso. Sou apaixonada pela vida. Vivo cada dia como se fosse realmente o último.

2. Como surgiu este sonho / projecto de ajudar e dinamizar acções com crianças na maior favela urbana de África?

 R: Sempre fui voluntária, os meus pais educaram-me a ajudar tudo e todos. Fiz voluntariado com animais, sem abrigo, pessoas com deficiência, dei explicações a crianças de bairros problemáticos, mas sempre sonhei com voluntariado em África para ajudar, apenas, pensava eu.

Depois de fazer vários cursos de voluntariado internacional e de fazer parte de grupos de voluntariado conheci a AIESEC que me permitia partir quando e para onde quisesse desde que tivesse dinheiro para tal. Como durante muito tempo andei a juntar dinheiro para esta aventura estavam as condições todas reunidas. Fiquei indecisa entre Gana, Etiópia, Quénia e mais uns quantos até que me decidi pelo Quénia. Então, depois de ver os projetos disponíveis que me agradavam mais, fiquei rendida à favela Kibera.

Quando entendi o que realmente era a Kibera, as suas não condições, a sua insegurança, os seus perigos, a sua dimensão decidi que tinha de ir para a Kibera, sem dúvida, e por isso Quénia ficou a decisão final.

Acho que às vezes gosto de mostrar a mim mesma que posso estar nas piores condições possíveis e sobreviver, é como se soubesse que venho de lá mais forte.  Acho que a Kibera era a possibilidade de maior choque possível, de maior diferença em relação a tudo.  Mas acima de tudo eu queria mostrar às outras pessoas a condição em que aquelas pessoas sobreviviam. E que estava nas nossas mãos mudar isso.

3. O que mudou na tua vida desde que te dedicaste a 100% a este projecto?

R: Mudei completamente, não que eu fosse inconsciente e que não tivesse noção realidade do mundo e que fosse uma miúda fútil mas mudei. Agora tenho uma capacidade de aceitação e de encaixe ainda maior. Aceito as diferenças entre pessoas, entre culturas. Ainda ligo menos aos bens materiais. Sou muito grata por tudo o que tenho na vida e por ter tido a sorte de ter nascido no outro lado do mundo e não lá.

Amadureci também, cresci imenso e fiquei mais responsável. Deixei de ter tempo para mim, para os meus amigos, família… agora as minhas 24h são geridas por mim. Tem de caber tudo no mesmo dia. É bom porque sou eu que giro a minha vida e apesar de ter dias loucos em que não paro, acabo por sentir-me sempre de férias pois não tenho de dar satisfações a ninguém.

Conheci imensas pessoas fantásticas devido ao From Kibera With Love, ando sempre de um lado para o outro, mas faço-o com gosto.

4.  Quais foram os momentos que mais te marcaram desde o primeiro contacto com a Kibera?

 R: O primeiro dia de aulas dos 16 meninos em 2013, quando os vi todos na escola, com mochila, uniforme e felizes. Quando entendi que tinha sido possível.

Quando fui ameaçada de morte, foi o meu pior dia na Kibera.

Quando a Ashley aprendeu a falar e uma das primeiras palavras que disse foi – Marta.

5. Qual é um dia típico da Marta na Kibera?

 R: A mil. Acordo muito cedo porque os miúdos têm de estar na escola entre as 6h30 e as 7h e como há sempre alguns que ficam comigo, o dia começa cedo. Deixo-os na escola, vejo se há algum doente. Levanto dinheiro para pagar a escola dos miúdos, vou ao banco depositar o dinheiro. Levo alguma criança ao médico, visito algum pai que precisa de alguma coisa, visito ong’s e conheço pessoas com projectos interessantes sempre com o intuito de ter novas ideias e de criar parcerias. Passo muito tempo na escola, com os mais pequenos. Vou comprar alguma coisa que alguma criança precise. Estou com eles na escola nos intervalos e ao almoço.

De tarde faço o mesmo que de manhã. Pelo meio ajudo com o artesanato e compro materiais necessários para fazer as peças. A meio da tarde volto à escola ajudo alguns alunos com os trabalhos de casa ou vamos fazê-los para casa. E depois é o final de dia normal de uma mãe só que com menos condições. À noite depois de deitar os miúdos dedico-me ao Facebook e à divulgação e gestão do projecto.

6. Quais as tuas maiores fontes de inspiração?

 R: 55 sorrisos =) E saber que a vida destas crianças e das suas famílias para além de estar bastante mudada e melhor, nunca mais vai voltar a ser a mesma.

7. Até ao momento qual a pessoa mais inspiradora que tiveste a oportunidade de conhecer através do teu trabalho?

 R: A professora Hellen que está comigo desde o primeiro dia na Kibera, era a única professora na escola onde comecei por ser voluntária e onde mais tarde fui ameaçada e proibida de regressar. Ela decidiu ficar do meu lado, acreditou em mim e sabia que o que eu tinha feito era o correcto. Foi despedida por ter tomado essa decisão, perdeu o emprego e o sustento da família e atenção que a Hellen tem 5 filhas, uma bebé e as restantes a estudar e o marido está desempregado. Foi ‘presa’ um dia e levaram-lhe a filha bebé, felizmente tudo ficou bem e ela agora trabalha numa pequena escola e eu ajudo-a em tudo o que posso. É um grande exemplo de coragem, confiança e dedicação. Foi ela que tornou possível voltar a ajudar estas crianças pois foi ela que fez novamente o contacto entre mim e as famílias, foi ela que foi ameaçada também e que abdicou de tudo sem ter a certeza de que eu voltaria.

8. Qual o Teu maior motivo de orgulho?

 R: Ter chegado até aqui ‘sozinha’, no sentido em que não tive o apoio de nenhuma entidade para nada. A quantidade de pessoas que torna o From Kibera With Love possível todos os dias e o facto de ter envolvido os meus familiares neste meu sonho mas acima de tudo a minha mãe quase a 100%.

9. Como financias o projecto?

 R: Através dos apadrinhamentos das crianças mas esse dinheiro é praticamente dinheiro perdido pois o valor vai todo para a escola para a propina de cada criança. Através da venda de produtos de artesanato que são feitos pelos pais das crianças ou por outras pessoas da Kibera. Através da venda de merchandising do projecto (blocos de notas e isqueiros). Através do Bazar da Marta em que a maioria do dinheiro angariado garante o dinheiro para a minha passagem, alojamento e alimentação. Pedidos de ajuda pontuais no facebook. Doações individuais e participação em feiras e eventos onde posso vender produtos e divulgar o projecto. Parceria com escolas e turmas em que eles criam projectos e acções de angariação de fundos.

10. Um dia feliz  para ti é…

 R: Um dia de sol, isso é obrigatório. E a receber muitos sorrisos. Cheio de brincadeiras com as crianças da Kibera mas que ao fim do dia fosse possível reencontrar os meus amigos, a minha família e ao chegar a casa partilhar tudo com a pessoa que gosto. Seria perfeito reunir num dia só todas as pessoas de quem gosto. E com música, muita música. E no fim abraços e muitos beijinhos, como se fosse todos os dias uma despedida mas com a certeza de que no dia seguinte tudo aconteceria de novo.

11. Qual o próximo sonho da Marta?

 R: Fazer o From Kibera With Love num outro local do Mundo onde existam crianças que precisem de ajuda.