Tomei conhecimento da Selma Pimentel e do seu trabalho criativo através das redes sociais. Interessei-me, pesquisei um pouco mais e encontrei um vídeo seu. A sua mensagem e forma de falar cativaram-me e incentivaram-me a enviar-lhe um email, com um pedido para uma entrevista. Entrevista essa que não chegou a acontecer pois o seu testemunho / resposta a esse email que a seguir transcrevo bastou!

Eu sou de uma geração que teve tudo para sonhar. Nasci e cresci nos anos 80/90. Uma altura em que nascia a tecnologia e ainda havia a divulgação da tradição. A minha avó encarregou-se de o fazer, através das suas histórias folclóricas. Havia também qualidade na animação, através de desenhos animados ricos em conteúdo e complexidade.

Foram-me dadas as ferramentas e mais algumas, sem olhar a despesas, para me conseguir lançar no mundo do trabalho com sucesso. Apesar de á partida a preferência (por parte da mãe) teria sido seguir uma área de saúde…Cedo isso se mostrou impossível de acontecer, pois uma das primeiras coisas de que me lembro fazer é agarrar num papel e lápis de cor e desenhar e desde então nunca mais parei de o fazer :-D.
Eu sempre fui sonhadora :-D, foi-me de certa forma incentivado – talvez até inconscientemente – pela parte feminina da família. A minha família materna, que viveu em Moçambique, trouxe novos valores culturais que transmitiram na minha criação como pessoa, as ideias e criatividade, brinquedos diferentes, e uma cultura visual e histórias que sem dúvida me influenciaram no meu começo de vida.
Depois, foi-me da mesma forma transmitido que se estudasse teria o meu emprego mais que certo, casaria ao terminar o curso e teria filhos e uma casa logo de seguida. Pois de facto isso aconteceu com os meus primos, mais velhos que eu 10 ou 15 anos. E eu estudei, mas nunca me conformei em seguir os passos daqueles que a sociedade chama exemplos. Uma mulher nas artes ainda era – não há muito tempo – motivo para levantar a sobrancelha.
Participei em concursos, fiz banda desenhada, trabalhei com editoras, e expunha os meus trabalhos ao mesmo tempo que estudava. Mas aqui ainda não me tinha encontrado, pois ainda achava que depois de um curso terminado, o meu destino era uma empresa privada ou trabalhar no sector publico até á idade da reforma. Foi assim que me foi dito que seria, era normal esperar que tal aconteceria comigo também.
Mais ou menos depois de 2005, tudo começou a mudar. Nos próximos 10 anos tudo iria mudar á minha volta, empresas começariam a falir, pessoas com 40 anos, ficariam sem emprego, os contratos a termos começaram a ser os mais praticados nas empresas, e a descer as benesses desse mesmo contrato, aumentando as tuas responsabilidades, sem promessas de renovação.
Depois de ter terminado o curso, comecei a colecionar empregos, como alguns me diriam. Durante muito tempo não entendi porque é que me dispensavam ao fim de pouco tempo, 1 ano, 6 meses, 3 meses…Se eu era boa no que fazia, pró-activa, dinâmica, tinha vontade em dar 100% de mim e se pudesse inventar trabalho ou novas possibilidades de aplicação da minha formação para ajudar a empresa – mesmo afectando a minha vida pessoal -. Estava inclusive disposta em colocar de lado a ideia de ter filhos, durante anos, para que a empresa me aceitasse durante o máximo de tempo possível, trabalhando inclusive mais que 10 horas diárias.
Assim passou mais uns anos, desta feita já contando na mala com 10 empresas diferentes, desde em contratos termo e freelancing e contratos “escuros” ou verbais. Trabalhei com empresas nacionais, Angolanas, Francesas, Espanholas. Tirei vários cursos complementares ao meu, Linguagens Web, 3D, Animação, Japonês e Francês para abrir outras possibilidades e clientes novos. Tirei inclusive uma formação em ajudante veterinária e trabalhei como tal!
Durante este tempo nunca desisti da ilustração, continuava a pintar e ilustrar e participar muito pontualmente em eventos, mas estava tão preocupada em ter um emprego fixo que não lhe dei a importância que lhe deveria ter dado.
E depois chegou a época dos estágios. Na qual ainda estamos agora.
Creio que o que uma das coisas que mudou a minha vida foi ter-me apercebido que emprego a longo prazo, – pelo menos para mim – não existiriam mais. Que existem mais “patrões” que “líderes”, que nunca chegarei tão longe, serei tão respeitada pelo meu esforço que trabalhando para mim própria e que Portugal não é o mundo. O mundo é enorme e temos de expandir os horizontes. A minha geração apanhou a mudança de vida. E estamos a sofrer. Muitos desistiram e vivem da ajuda dos pais ou de emprego precário, outros fugiram do país e estão a trabalhar onde tiverem de trabalhar para ter filhos/família e um futuro, mas abdicaram dos sonhos. Outros conseguiram ficar e enfrentar as ondas, mas não são assim tantos quanto isso e talvez nem tenham cumprido o seu sonho.
Depois de me ter dispensado por vontade própria, jurei que seria a última vez que me usariam para fazer dinheiro, e desta feita por se recusarem a pagar o acordado. Os tais contratos verbais.
Entrei em modo de pausa e não voltei a procurar trabalhos semelhantes. Aqui na Figueira da Foz não existem oportunidades de emprego em artes, ou em qualquer outro área, realmente.
Fui até Paris respirar. Levei comigo os meus sonhos. A minha vida mudou. Concluí que se voltasse a trabalhar para uma empresa  – isto, se conseguisse – seria para me anular como criativa, nunca me deixariam evoluir e desaparecia completamente, e os meus sonhos comigo.
Visitei museus, conheci pessoas, desenhei enquanto por lá andei, pelas ruas e sentada nos jardins. Vi a ilustração e a cultura visual, a “moda”, as cores, as tendências que se praticava em Paris. Comecei a reconhecer padrões naquelas pessoas e em ateliers de artistas, que reconheci em mim. Eu era como eles, e podia da mesma forma aplicar o meu conhecimento, que já era algum, acumulado ao longo de várias experiências e ao menos tentar vencer por mim própria, sem precisar de empresa nenhuma. Eu poderia ser uma empresa, sozinha. E estava mais que preparada para isso.
Mas Portugal não é Paris. E um projeto pessoal precisa também de incentivos, apoio por parte da família e alguma ajuda financeiras. Não foi fácil recomeçar do 0. Também não precisava de muito para começar, um bom Mac, mesa de desenho digital, digitalizadora, impressora, material de pintura, aguarelas e acrílicos e uma máquina fotografia e pronto, um atelier, ou um local que pudesse fotografar o meu espaço e o meu estúdio.
Durante os primeiros meses testei o estilo que pretendia seguir, tentando perceber o que o público gostava também, mas acima de tudo, seria fiel aos meus gostos. Abri a página de facebook profissional, comecei a expor em bares, lojas de amigos, e abrir páginas para divulgar o meu trabalho e blogs, em diferentes plataformas de divulgação. Behance, Tumblr, Blogger, etc:
Teria de ganhar uma certa “lata” para contactar galerias, ou enviar propostas de parcerias e colaborações, sendo uma artista desconhecida e sem valor no mercado. Ao mesmo tempo que ía criando mais e mais trabalho, ía evoluindo na ilustração, atraindo mais pessoas e aconteceu a primeira parceria. Depois a primeira exposição a solo, que considero foi um sucesso, dada a minha tão recente actividade.  E depois vieram as encomendas, primeiro de portugueses, depois de emigrantes, e pontualmente estrangeiros.
Fui contactada, pela Directora de Cultura da Figueira da Foz, para estagiar no Centro de Artes como Ilustradora e Designer, e ajudar a desenvolver uma nova imagem para a cultura Figueirense. Foi um ano muito enriquecedor como profissional, que me trouxe mais trabalho paralelo e mais seguidores, e tive o prazer de ajudar cidade que me viu crescer. Existe sempre a vontade de ajudar o país e a cidade a que pertencemos. E irei tentar até á última, ter sucesso a partir do meu país, e um dia poder levar aquilo o meu trabalho como portuguesa até outro lugar no mundo, e voltar…  para continuar a investir no meu país.
Mas esta parte do sonho não é fácil. A sociedade portuguesa não é fácil, não é aberta nem muito unida. Algo que sempre verifiquei nos empregos, entre colegas e patrões/empregados mais pro-activos, é uma certa rivalidade ou receio que a outra pessoa seja melhor que tu e te queira “roubar” o lugar. Em vez de pensarmos como um todo, puxamos a brasa á nossa sardinha, como se costuma dizer. Se nos unirmos numa causa, estamos a ajudar o próximo, a nossa comunidade e os mais jovens até. Gosto de pensar que estou a abrir caminho para outras ilustradoras, sonhadoras e Portuguesas. Só tenho pena de haver tão pouca predisposição para ajudar os jovens criativos a chegar mais além. A arte é realmente vista como um hobby e muitas vezes sinto-me desencorajada por comentários mais ignorantes e desencorajadores. Mas se dermos demasiado ouvidos ás pessoas erradas, então nunca chegaremos aonde pretendemos :-).
Importante: Perseverança, apoio das pessoas certas, visão e muito muito trabalho. No entanto, creio que a rapidez ou a facilidade do sucesso é também influenciada pelo meio onde vives, a capacidade financeira, e os contactos que te ajudam a empurrar o projeto adiante. Não sendo, claro está, os únicos elementos necessários na escalada para o sucesso, mas posso afirmar que sem recursos financeiros, chegar “lá” torna-se muito mais difícil.
É um caminho sinuoso, e feito de muita dedicação, algumas desilusões, e nem tudo é um mar de rosas, mas depois existem pessoas maravilhosas que nos ajudam a seguir em frente, não só a família, mas os amigos, clientes que se tornam amigos, parcerias maravilhosas, colaborações que dão óptimos resultados, pessoas que te procuram por que simplesmente gostam e admiram o teu trabalho e querem falar contigo ou aprender contigo. O reconhecimento fora do país, que é sempre um grande sinal que estás no caminho certo. E eu sinto-me grata por todas essas pessoas que me ajudaram a chegar onde estou. E onde estou é a nas primeiras fases de um caminho que espero se avizinhe muito longo e produtivo 😀
#KeepDreaming