Há algum tempo que não escrevo…..

Apesar de ter algumas ideias, a motivação não tem sido muita. Não me apetece escrever sobre desgraças pois já bem basta o que nos rodeia. Escrever sobre coisas demasiado otimistas parece-me quase ofensivo, perante o estado geral de desânimo, polarização, ódio e desinformação que hoje vivemos. Para além disso, os algoritmos hoje privilegiam não sei bem o quê. Lançar algo hoje na world wide web tem menos probabilidades de encontrar um recetor, que uma mensagem numa garrafa lançada de um veleiro em alto mar.

Tudo isto me tem retraído de fazer algo que me dá muito prazer… passar os meus pensamentos e inquietações para o “papel”. No entanto, tudo tem um fim. Decidi escrever sobre algo que se passou há já alguns meses e que me deixou a pensar no nosso papel neste mundo louco no qual vivemos.

Certo dia, na azáfama da saída de casa e levar os miúdos à escola, o que geralmente é feito a pé, eis que me deparo com uma fila de trânsito. Naquela rua, a aquela hora é normal haver trânsito, mas nunca filas.

“Caraças …. Deve ter acontecido alguma”… pensei eu! Preparei-me para pior!

Os miúdos iriam chegar pela primeira vez atrasados à escola e eu atrasar-me-ia para algo importante (ou não). Eis que, surpreendentemente, a fila avançada vagarosa mas consistentemente. O padrão de comportamento daquela fila de trânsito não era normal. Naquela rua, em caso de acidente, com o movimento constante nos dois sentidos, o mais provável seria a fila ficar parada por bastante tempo.

Enquanto avançava, confirmei as minhas suspeitas “Ah! Tinha razão! É um acidente”.

Não há nada mais frustrante do que estar numa fila, com a ansiedade de saber o motivo por tamanha demora a crescer, e no fim não encontrarmos nada que o justifique. Mas naquele caso não. O atropelamento de um motociclista (felizmente sem ferimentos de maior) junto a uma passadeira, justificava aquela anormalmente rápida fila de trânsito.

“Mas se o acidente se confirma, como é que isto está a avançar ?!”

A minha estupefação e curiosidade encontraram resposta, quando olhando para o lado vejo um normal transeunte que heroicamente preferiu combater a tentação do voyeurismo próprio destes momentos, e assumiu a função de polícia sinaleiro, fazendo alternadamente a passagem dos carros que circulavam em sentido contrário!

Aquele herói por um dia, poupou-me a desgraça de ser responsável pelo atraso dos meus filhos e pelo meu próprio atraso, mas mais do que isso mostrou como nas mais inverosímeis e inesperadas situações é possível ter-se um impacto positivo através das nossas ações.

Num mundo onde cada vez mais a sensação de impotência se apodera de nós, sermos úteis e criarmos valor, depende apenas da nossa capacidade de irmos além do óbvio e do banal, assumindo sempre que necessário o papel de heróis improváveis.

 

Texto da Autoria de Rui Loureiro, Mentor do Projeto Sonhadorismo