No verão passado voltei a um sítio que me é muito especial, e pela primeira vez fi-lo com os meus filhos.
Este sítio fica algures na misteriosa Costa da Morte na Galiza, e leva-nos até ao Emílio e ao impacto que todos nós, consciente ou inconscientemente, podemos ter na vida dos que nos rodeiam.
Corria o ano de 2001 e após quase um ano de estudos no Brasil, obviamente a adaptação a casa dos Pais não foi fácil e o mais óbvio foi voltar a emigrar. A aventura por terras de Vera Cruz tinha-me quase custado um namoro e muitas saudades de casa, pelo que a oportunidade de ir para fora “quase” cá dentro pareceu-me ideal. Corunha era a opção, o que para mim bastava. Tinha mar.
A paixão pelas terras e gentes Galegas foi instantânea. Fascinou-me a qualidade de vida, a proximidade com o mar, a natureza, a simplicidade das gentes, o azul cristalino das águas frias da praia de Bastiagueiros, sobre a qual ficava a minha nova faculdade.
O único senão era a qualidade e inconsistência das ondas das praias da Cidade da Corunha, que situada numa grande e recortada baía, deixavam muito a desejar. Rapidamente a vontade de procurar praias com melhores condições levou-me até ao Emílio.
O Emílo vivia na mesma urbanização que eu e já o tinha visto passar por várias vezes no seu Opel Corsa branco com a prancha em cima do carro. Sempre que o via passar, pensava em como seria a melhor maneira de poder chegar à fala com ele e impingir-lhe a minha companhia em busca de novas ondas e horizontes.
Certo dia, numa disciplina da qual não me recordo o nome, avisto a cabeça loura oxigenada do Emílio. Partilhava uma disciplina comigo e eu não podia desperdiçar essa oportunidade. Acerquei-me dele e apresentei-me. Daí até a conversa chegar ao nosso tema comum foi um instante. Combinámos para o dia seguinte uma expedição em busca de ondas. À hora combinada lá estava eu a tocar à campainha do apartamento do Emílio. “Pouca Sorte”, disse-me ele. O vento e a ondulação não eram, naquele dia, favoráveis para as praias das redondezas da Corunha.
A tristeza invadiu-me a alma. “Não dá mesmo em nenhum lado?” , perguntei eu.
“Huuummmm talvez num sítio. Mas é longe”, disse ele.
“Não faz mal. Dividimos a gasolina. Vamos”, disse eu.
E aí fomos.
A primeira meia hora foi animada. Passado uma hora de viagem, o silêncio imperava. Mas não era um silêncio constrangedor. Era um silêncio consentido por duas almas que apreciavam a beleza de um dia de inverno na Corunha. A certa altura não sabia onde estava. Viajávamos há mais de uma hora e parecia-me que estávamos longe de tudo.
Parecia-me até estranho podermos estar a dirigirmo-nos para a costa. De repente, quando me pareceu estarmos mais numa montanha do norte da Europa, do que na costa de um País Ibérico, eis que avisto o mar ao longe. Começamos a descer e o azul desse mar revela-se diferente. Mais azul, mais translúcido. As nuvens no céu davam algumas abertas, e aqueles raios dourados de um sol de inverno a iluminarem o verde das pastagens e o azul do mar era algo mágico. Algo que nunca tinha visto.
Na última descida e já perto da Praia ,passamos por uma personagem cabeluda, descalça com um prancha velha e amarelada debaixo do braço a dirigir-se para uma casa no meio do nada.
Não poderia haver melhor quadro para ilustrar o que os meus olhos viam e a minha alma sentia. Chegados ao nosso destino, fico siderado com a beleza de uma baía selvagem, linda. Uma extensão de praia com mais de 3 km. Numa das pontas um rio desagua no mar, e da colina o verde desce até tocar na areia da praia.
Havia umas ondas. Nada de especial. Mas estávamos só eu e o Emílio. Uns desconhecidos feitos companheiros de ondas à pressa. Surfámos um par de horas e quando nos metemos novamente no carro para regressar, sentia que tinha descoberto um sítio mágico onde voltaria em breve e por muitas vezes, pensava eu.
12 anos se passaram desde a primeira vez até ao meu primeiro regresso. Com o Emílio não tenho a certeza de ter voltado a surfar mais nenhuma vez. Entretanto vieram as férias do Natal, os exames e o fim do Erasmus.
O regresso só foi possível porque guardei durante esses 12 anos, numa carteira de bolso, um papelinho com o nome dessa praia. Fui voltando. Não todos os anos, mas com alguma regularidade.
Voltei este ano com os meus filhos e foi mágico! Tive a certeza de que se algum dia tiver de escolher um único sítio para viver será ali. Naquela praia perdida da Costa da Morte, entre o verde das colinas e o azul cristalino do mar.
Nunca o Emílio imaginará que ao levar-me naquele dia aquele local mágico, me daria algo que nunca esquecerei e que será para mim o local onde sempre regressarei.
Gracias Emílio!
Artigo da Autoria de Rui Loureiro, Mentor do Sonhadorismo
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