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Pedro Pires, natural de Coimbra, vive em Londres onde trabalha como Clinical Perfusion Scientist no Kings College Hospital, especialista dem Lepidópteros (borboletas).

 

SDO: Quando e como descobriste a tua paixão por BORBOLETAS?

PP: Engraçado, ainda hoje (4/4/2016) falei sobre isto com os meus colegas de trabalho. Diziam-me eles que eu estava na profissão errada…eheh não existem profissões erradas! Existem sim opções na vida, caminhos ou direcções que cada um de nós escolhe em busca de algo que nos complete.

Eu contava aos meus colegas como o facto de viver em casa dos meus avós aos 5 anos me fez ver o Mundo de tão diferentes maneiras. Numa imensa sala de estar com talvez 5 metros de altura encontrava-se ( e ainda se encontra!) um armário que enconde no seu interior uma cama desdobrável onde eu dormia. Sobre a minha cabeça um candeiro redondo verde escuro pendia bem lá no alto! Mas era à minha volta que o Mundo “rodava”numa imensidão de estantes de livros de todos os temas que podessemos imaginar! O meu avô era um coleccionador de livros! Agora imaginem-se com 5 anos numa cama com mais de uma centena de livros à volta… os que me fascinavam mais no início eram os de astronomia. Adorava ver aquelas fotos maravilhosas de planetas e nebulosas. Levavam-me a viajar no tempo e a sonhar com o Universo. Mas cada dia ou cada noite antes de dormir se tornava numa viagem pelo Universo ou pelo Mundo! Era um vasto número de colecções sobre a Humanidade e os seus povos, Geografia, jardinagem, vida selvagem, pintura, corpo humano, etc.. foi no momento em que abri os livros sobre vida selvagem que os meus olhos ficaram vidrados… incrível pensava eu como seria possível existirem tantas espécies de animais neste Mundo tão pequenino suspenso num vasto Universo que eu já conhecia pelos livros da Astronomia.

A partir daqui e, independentemente de olhar para outros livros sobre outros temas, acabava sempre por último por desfolhar os “meus” livrinhos favoritos sobre a vida selvagem.

Aos 13 anos saímos de casa dos meus avós contudo o meu pai já tinha apanhado o “virus” do meu avô e livros é o que não faltavam lá na casa nova! O meu pai tinha comprado os fasciculos quase todos da Fauna! Uma colecção inigualável ainda hoje do Felix Rodrigues de La Fuente! Juntamente com a colecção passava ao fim-de-semana um documentário de vida selvagem do mesmo autor , com o título “El Hombre e la Tierra”. E por incrível que parecesse era na maioria sobre a vida selvagem da Península Ibérica!

Poucos anos depois conheci o meu grande amigo Fernando Romão. Eramos colegas de liceu e desde logo entendemos que os interesses em biologia e natureza eram muito semelhantes. Inicialmente começamos por estudar as aves. Tentavamos identificar as espécies que víamos e faziamos registos dos seus comportamentos. Ainda hoje tenho estas velhas agendas com apontamentos engraçados onde até a hora do voo das corujas-das-torres eu apontava para comparar com o dia seguinte. Eheh.

Nesta altura os meus pais fizeram-me uma surpresa! Além de uma câmara de video VHS-C com 6x zoom oferecem-me também um microscópio e um telescópio! Foi certamente um dos dias mais feliz da minha vida! Que mais poderia um jovem cientista querer! Com o microscópio poderia ver promenores incríveis das escamas das borboletas e de seres microscópicos presentes no aquário. Ja com o telescópio poderia não só olhar para a lua e para as estrelas mas também para a aves que pela minha janela do quarto observava a saltar de ramo em ramo. Na sua maioria pardais-comuns mas também melros , pombas, e as vezes garças-boeiras que por ali passavam no então terreno da Quinta das Flores . À noite ouvia-se sempre o mocho galego e a coruja-das-torres enquanto eu tentava descobrir o Polo Norte ou encontrar algumas estrelas duplas com o telescópio.

Com este equipamento e com a minha capacidade criativa adaptei o telescópio a câmara de filmar. A partir daqui eu e o Fernando Romão passamos a visitar zonas mais naturais perto de Coimbra como o choupal e o Paul de Arzila para a observação de aves. Foi nesta altura, por volta do ano de 1993 que vi e filmei, perto de minha casa em Coimbra, a minha primeira borboleta. Uma borboleta diurna de nome comum almirante-vermelho (Vanessa atalanta).

A partir daqui começou a minha jornada em busca do meu “Elemento”. Cada registo e cada espécie nova de borboleta que descobria era como que descobrir-me a mim mesmo um pouco mais. Ainda hoje (2016) tenho esta sensação e sinto a necessidade de ir ao encontro do meu “Elemento”. Busco continuamento por estes “pedaços” de mim quer seja no campo, em casa, na rua, numa montra, num jardim, num supermercado, etc…

 

SDO : Tiveste o apoio da tua família/comunidade para aprofundar o teu talento? Se sim, em que medida te apoiaram?

PP : Os meus pais sempre me apoiaram nas minhas investigações mesmo quando as minhas notas na escola não eram muito boas. Era-me difícil compreender porque tinha eu tanta dificuldade na escola e ao mesmo tempo possuia tanto conhecimento noutras áreas que nunca viria a ouvir falar durante os meus anos de escolaridade.

Como já referi anteriormente, foi o presente dos meus pais com a câmara, o telescópio e o microscópio que me estimularam para ir mais além! Assim como o facto de continuarem com a “virose” do meu avô comprando livros, enciclopédias e claro guias de campo para identificar a bicharada!

Nos finais dos anos 90, juntamente com o Fernando Romão, fiz-me sócio de uma associação ambientalista (Quercus). Nesta associação viria a fazer grandes amigos de que ainda hoje guardo estima! Foi um grande apoio também pois permitiu-nos participar em saídas de campo a áreas naturais de grande valor como a Serra da Lousã e o Tejo Internacional.

Em 1998 seria publicado por esta associação o primeiro livro sobre borboletas de Portugal. Com o título “Borboletas da Serra da Lousã e dos Penedos de Góis” este seria também para mim o meu primeiro trabalho sobre borboletas com ilustrações minhas a aguarela.

A partir daqui “milhões” de actividades, publicações e entrevistas terei feito! E com isto conto já com mais de uma boa dezena de amigos todos eles com a mesma “pancada” dos bichinhos das borboletas!

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SDO : Porquê decidiste não abandonar a profissão/o emprego e para te dedicar o teu interesse?

PP : O meu “interesse” começou muito antes da minha profissão ou emprego. Uma coisa não empata a outra se assim o posso dizer. A minha profissão na área da saúde foi uma opção de trabalho. Uma necessidade de arranjar emprego e estabilidade financeira. Claro que deste modo ajudou o meu “interesse” pois financiou as minhas deslocações e tudo o resto associado a despesas. Gosto do que faço no meu emprego como é óbvio! É uma profissão de grande responsabilidade e também me dá alguma satisfação pessoal.

Uma situação engraçada por exemplo que relaciona o meu “interesse” com a minha profissão. Já a trabalhar em Londres certo dia ao chegar ao meu emprego, reparo numa pequena micro-borboleta que se encontrava do lado de fora da janela do hospital. Curioso como sou tentei identificar o bicho e tive bastante dificuldade para lá chegar! Consegui tirar umas fotos com o telemóvel que ficaram razoáveis para poder enviar ao meu grande amigo Martin Corley (especialista de borboletas e em especial destas micro-borboletas). Ele perguntou-me onde tinha eu fotografado este bicho? E eu disse: “ Bem foi na janela do hospital onde trabalho.” E ele respondeu: “Estudo as borboletas do Reino Unido à mais de 50 anos e nunca descobri uma espécie nova para o país…”, “Pedro essa espécie é nova para cá! Sortudo!”. Pois é, se não trabalhasse no hospital nunca viria a descobrir uma espécie de borboleta nova para o Reino Unido!

 

SDO: Identificas-te totalmente com o teu “Elemento”? Ou tens outros interesses e talentos paralelos?

PP : Digamos que o meu “Elemento” está interligado com todas as outras influências que tive quando era miúdo. Gosto por exemplo de pintar com aguarelas mas grande parte das minhas pinturas são borboletas, insectos ou aves. Gosto de astronomia como já tinha dito e por vezes quando faço sessões de borboletas nocturnas levo o meu telescópio e acabo por ver algumas nebulosas ou planetas. Gosto de fotografia e video mas está intimamente ligado com o “interesse” nas borboletas pois são fantásticas de fotografar ou filmar. Gosto de cantar, dançar e de música no geral mas também quem não gosta!

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SDO : Consideras que o teu trabalho/talento é a realização pessoal, apenas para ti, ou poderá ter um alcance mais vasto, contribuindo para o bem estar de outros?

PP : É claro que a realização pessoal é importante! Em 2006 tinha encontrado em Coimbra uma destas micro-borboletas cuja espécie era impossível de identificar. Sem eu saber o meu amigo Martin Corley fez um artigo a descrever esta como sendo uma nova espécie de micro-borboleta! Fiquei maravilhado! Contente comigo mesmo por ter descoberto algo completamente novo para a Ciência! Depois li o artigo e vi o nome que ele tinha dado a desta nova espécie “Denisia piresi”… até me vieram as lagrimas aos olhos…eheh uma micro-borboleta com o meu nome! Já estou na História por assim dizer!

Também tenho alguns amigos biólogos que me “culpam” a mim o facto de estudarem entomologia. Ainda esta semana vinha exactamente um comentário de uma aluna de biologia sobre isto no grupo Lepidoptera em Portugal (Facebook). Dá-me claro satisfação saber que o trabalho pioneiro que começei à mais de 20 anos trás hoje frutos com biólogos a dedicarem as suas vidas ao estudo entomológico.

O meu princípio será sempre o estudo e a conservação não só das borboletas como de toda a vida selvagem do nosso país e do Mundo inteiro! Tudo está interligado!

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SDO: Que mensagem deixas aos mais jovens, para que eles possam também desenvolver o seu potencial e encontrar o seu elemento?

PP : Paciência. Pode não parecer ser a melhor mensagem mas ter paciência quer dizer que temos dedicação. Quer dizer que queremos fazer algo por mais dificil que seja. Perante um desafio a paciência é a melhor ferramenta que temos! Aos 5 anos eu não tinha um quarto só meu e cheio de brinquedos mas paciência. Brinquei com o que tinha a minha volta, os livros, eram os meus brinquedos favoritos! Adaptei-me e usei a imaginação para criar os meus brinquedos virtuais com os quais sonhava. Eram outros tempos e tinhamos outras necessidades enquanto crianças. Hoje em dia quem tem paciência pode alcançar tudo o que quiser! Mas a paciência é rara cada vez mais…

 

Entrevista e Conteúdos da Responsabilidade de Agnes Sedlmayr colaboradora SDO